Vestiu a camisola de lã cor de sangue escuro. Com o frio que estava, só mesmo a lã o conseguia aquecer. Pegou no blusão, carteira, chaves e saiu de casa batendo a porta. O som dos seus passos no chão húmido ecoou pelas escadas do prédio. A cada passo a sensação de pisar areia no chão, areia que no verão nem se sente, nem se nota.
Iyeoka - Simply Falling
Já na rua, o frio descobriu forma de lhe encontrar a pele, nas mãos, no pescoço, na cara. Empurrou as mãos para os bolsos das calças de ganga, mas só se sentiu apertado, preso. Voltou a guardar as mãos nos bolsos do blusão. Tomou a direcção habitual para apanhar o metro. Pelo chão vários castanhos nas folhas de plátano. Os sapatos com sola de borracha manhosa, a chuva e as folhas levaram a pequenas escorregadelas sucessivas. Atravessou a rua para o passeio nu, sem o cobertor de folhas nem o perigo de queda.
Da estação solta-se um ruído de comboios que chegam e partem, misturado com o da escada rolante. Pessoas apressadas, sempre apressadas, sempre com receio de perder o metro, sempre com medo de esperar e se verem perante si mesmas.
Saiu no Martim Moniz, início da Mouraria. O Centro comercial enorme num dos lados da praça. Atravessou-o e viu-se frente a um bloco de mármore rosa meio esculpido, onde se percebe uma guitarra portuguesa. Entrou na rua do capelão e re-encontrou Lisboa e as suas ruelas. Sentiu-se em casa. Esta é a Lisboa que é boa de viver, a Lisboa do fado. Mas não um fado triste e soturno, um fado alegre e bem vivo. Um fado a cada esquina. Deixou-se entranhar pelo espírito e amou profundamente.
Lisboa também é isto.
Não sou de entrar no mar de rompante. Preciso de entrar devagar, permitir que o corpo se habitue à temperatura da água.
Chego à beira do mar e paro com a rebentação a chegar, no máximo, abaixo do joelho.
A hora que passei ao sol faz sentir os seus efeitos. Cada centímetro de pele seca atingido pela água provoca um calafrio.
Quando uma onda me molha o baixo ventre sinto tudo a congelar. Até o cérebro! Por momentos fico imóvel com um esgar de sofrimento na cara, como se me estivessem a arrancar o figado pela boca. Talvez seja esta a demonstração que os homens só pensam com a cabeça de baixo.
Ainda falta a barriga. Só de pensar nisso estremeço! Molho as mãos nesta onda e ponho-as na barriga. Assim já se vai habituando... calculei mal a distância e parece que esta onda vai-me molhar a barriga.... ahhhhhhhhhh safa!!! Caramba! Isto hoje está frio!
Com a barriga já molhada, deixou de haver motivo para não mergulhar. Vamos acabar com isto!
Mergulho de cabeça na onda que me parece maior. Sinto que a cabeça até parece encolher enquanto dou duas braçadas debaixo de água. Volto à superfície e sopro com força. De alguma forma o sopro parece alíviar o frio. Tenho que me mexer. Dou dez braçadas vigorosas num estilo parecido com o Crawl. Volto para trás em bruços e paro.
Está boa! Espectacular!!!!
Daí a 20 minutos saio da água revigorado, tonificado.
"Está espectacular", digo...
Quem vir de fora, até parece que não me custou a entrar. :)
Ornatos Violeta - Coisas
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. A pele