O dia rasgou a noite, como o sol rompeu a chuva. De tempos a tempos procuro o arco-íris sem o descobrir.
Mariza - Chuva
A vida continua a surpreender-nos aqui e ali, mas as emoções fortes são o que nos faz sentir vivos.
Por vezes somos fortes, outras frágeis, outras somos só espectadores.
Não consigo ser inteiro, nem alto, nem distinguir o principal. Busco o principal mas o secundário distrai-me. Espero dos outros as soluções que não construo. Destruo o que não me destroi, na ânsia do que me desfoca.
E esta chuva que me inunda a alma em jorros de insanidade. Sinto-me a enlouquecer. Deixei de acreditar em mim, no que faço. Deixei de acreditar na consequência do que faço. Deixei... escapar-te entre os dedos... porque não tinha força para suster-te nas mãos. Como se a areia pesasse toneladas e os dedos cedessem.
Não consigo pensar nem ser razoável, como sempre fui. Tudo me magoa, me atinge... apetece-me chorar toda esta chuva, inundar campos de lágrimas. Para que floresçam malmequeres e papoilas fortes e viçosas de emoções choradas, mortas.
Tudo se mistura numa amalgama indistinta de amores, família, trabalho. Tudo.
Lembro-me do teu queixo a tremer, meu filho, enquanto resistias a deixar correr nem que fosse uma lágrima. Bastava um sopro nessa altura e elas correriam numa torrente libertadora. O pai também não consegue chorar... nem sei bem porquê. Mesmo assim resististe quase cinco minutos. Não pensei que tivesses endurecido tanto.
Também me lembro da tua alegria, do teu sorriso.
Um dia vamos chorar e rir de tudo isto. Um dia vamos rir.
Estava uma manhã fria e húmida. O nevoeiro não deixava ver mais de 30 metros em redor.
Saiu da pastelaria aborrecida. O empregado nunca reparava nela, parecia que nunca a ouvia. Apesar dos seus pedidos repetidos por uma torrada e uma meia de leite, era surdo à sua voz. Perdia sempre imenso tempo na pastelaria, mas raramente perdia o autocarro das 8:10h.
Às 8:27h entrava no barco para o Terreiro do Paço, pouco antes das 9:00h estava a entrar na loja.
Sempre a mesma rotina, sempre a mesma vida. Poucas surpresas. A família esperava dela que casasse e tivesse filhos, mas nenhum rapaz parecia ser o tal. Nenhum príncipe encantado, só desilusões desdentadas e desbocadas.
Fora educada para se portar bem e por essa via chamar a atenção de um bom rapaz, como lhe dizia a mãe. As pessoas já não pareciam valorizar essa postura e ela esperava, esperava sempre... dos olhares cruzados à troca de palavras, destas à desilusão e até mágoa, nunca ia grande distância.
Ia continuar à espera, sempre à espera. Uma vida assim, deitada fora por convicções que nem sabia se eram realmente dela.
Crowded House - Don't Dream It's Over
"Porque quem ama, tem medo de perder"
Quem ama, também tem medo de sofrer. Quem ama, tem medo de amar demais. Quem ama, tem medo de se enganar. Quem ama, tem medo...
Levantou os olhos do livro, olhou para a esquerda e não viu vivalma, à direita só um pescador esquecido lá ao fundo, uns barcos mal semeados no Tejo e mais nada. Quis pegar na mota e seguir até Roma, Florença, Berlim, Helsínquia. Quis pegar no barco e velejar até às Caraíbas, descer à Patagónia e voltar pela Oceânia, Moçambique. Pegar no balão e subir pela Tanzânia, Zanzibar, Egipto e voltar. Chegar e perceber que tudo estava igual e no entanto, tudo tinha mudado completamente.
Tenho saudades dos meus filhos, da sua alegria transbordante quando estão juntos. Nem sequer se apercebem que não consigo conter um sorriso quando sem envolvem em debates sobre isto, sobre aquilo, sobre conceitos que são só deles, entusiasmados uns com os outros. Esquecem-se que ali estou, a levá-los para algum lado em silêncio, enquanto me alimento daquela alegria, enquanto se alimentam mutuamente de satisfação.
The Gift - Fácil de entender
Hoje joga a selecção e estou numa inquietação sem justificação, que nada tem a ver com a selecção. É uma inquietação interior, que não me deixa em paz.
Hoje ouvi que somos um povo megalómano. O Júlio Machado Vaz partilhou esta visão com o auditório da Antena 1 e eu estou-me a sentir arrastado para concordar. Nunca tinha visto as coisas assim. Porque tenho sempre que querer tudo? Quero toda a felicidade, todo o amor, toda a paixão, toda a aventura, toda a glória... tudo!!!
Sou um megalómano da felicidade.
Há um mês que não os via, um mês que não falava com os filhos.
Ligava todos os dias como se fosse à missa, mas a mãe não passava as chamadas, tirava o telemóvel aos filhos e não os deixava falar.
Nesse dia tinha de os ver. Tinha que o fazer. Nada justifica um mês sem os ver, sem lhes falar.
Enviou um sms, avisou que ia sem admitir uma recusa. Atrasou-se... a fulana não se despachava, queria ver isto e aquilo... sonhava acordada sem rumo nem capacidade de decidir se comprava ou não. A angústia tomou conta dele, o volante parecia de espuma... se calhar estava a apertá-lo demais. Entardeceu na estrada. Sabia que não ia chegar a tempo mas havia a possibilidade de ... havia a possibilidade...
A rua vazia. Um único prédio novo numa rua... na promessa de uma rua. Qual a probabilidade de acertar no segundo exacto em que o portão da garagem se abria? A frente do carro na abertura da garagem, impedindo o fecho do portão. Incrédulo assistiu aos filhos a correr, a sair do carro e fugir em direcção ao elevador. A fugir de si, do pai.
A partir daí deixou de sentir. Dava passos mas não sentiu os pés no chão. Ignorou a mãe quando passou pelo carro. Deixou de ouvir com clareza. Talvez ela buzinásse. A porta do apartamento à sua frente. Tocou a campaínha com insistência, qual era a pergunta que queria? Qual era a resposta? O que justificava a fuga!?
A porta impassível, sisuda sem compaixão, sem pudor. Chamou, perguntou. A resposta esbarrava sempre na vontade da mãe. O que a mãe queria, o que não queria. Ele queria um beijo, um abraço dos filhos... só isso.
A porta fechada, imóvel, rígida. As mãos no interior sem coragem para a abrir. Sem força para desobedecer.
O alarme a tocar. A mãe lá fora, nem tentou subir. Falava ao telemóvel sem palavras, criando cenários improváveis. Bolsando mentiras. Vómitos de mentiras em GSM. Alta tecnologia a propagar cenários inventados, ao serviço da manipulação.
Finalmente as perguntas tiveram resposta. "Não queriam".
Duas palavras simples, daquelas que se dizem todos os dias. Seja ao Sr. Joaquim da mercearia, ou aos vendedores da Cais em cada sinal de trânsito.
Viu as palavras atravessarem a porta em câmara lenta, cravarem-se em si... no seu corpo. Uma e outra cravaram-se de cada lado da imagem de os ver a fugir de si. Não saiu sangue... nem uma gota. A dor, o absurdo de dor de duas palavras de todos os dias.
Virou costas e desceu... se não queriam era diferente. Completamente diferente.
Passou por alguém. Talvez lhe tenha dito alguma coisa, não ouviu a voz, ou talvez fosse outra pessoa.
Pegou em toda a dor e tentou arrumá-la no carro, mas era um caso perdido. Arrancou com cuidado. Deixou ali algo de si e seguiu.
Sem saber como viver, sem dar nome áquela dor, aguentou. O optimismo perdeu-se, a alegria ficou naquele patamar. Nada voltará a ser como dantes.
Alienação parental:
"É o termo proposto por Richard Gardner em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro conjuge, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro progenitor."
Hoje em dia, é crime.
Marcou os números no telemóvel.
- Está!?
- Boa noite, é da casa da Irene!?
- É.
- Servem jantares hoje, ou estão fechados!?
- Servimos sim. Quantas pessoas são!?
- Um adulto e três crianças.
- O que é que querem comer!? Temos cabrito, mas se quiser outra coisa...
- Pode ser cabrito sim. Pode ser às oito e meia!?
- Está bem. Assim é mais rápido, não têm que esperar. Como é que tem este número!?
- Foi aqui no turismo rural que me deram.
- Ahhh. Então fica para as oito e meia.
- Ok. Até já.
Saiu para a rua. O ar aqui tem sabor, tem cheiro saudável e rico. Olhou à volta, distinguem-se umas montanhas ao fundo, talvez já seja Espanha. Ouvem-se os pássaros chilrear e ruídos de campo, de agrícultura, de rebanhos. Porque é que abandonámos o campo e nos encaixotámos em cidades!? Não me consigo lembrar... terá sido a revolução indústrial!? Não me lembro... talvez...
Paro o carro num largo. Os miúdos e miúdas da aldeia jogam à bola sem preocupações aparentes. Estamos nas férias da Páscoa e férias são férias.
Os olhares não nos largaram no percurso do carro à casa da Irene. O jantar demorou pouco e foi excelente, a conversa foi melhor ainda e esticou o jantar para três horas. Simples a D. Irene, com convicções de aço temperado em trabalho e olho para o negócio.
No dia seguinte um pequeno almoço variado e gravuras rupestres. As gravuras ganham vida com a explicação. Tudo se ilumina, a imaginação acende-se...
A felicidade são coisas simples... muito simples.
James Asher - Ijeilu ( audição obrigatória, imaginar uma praia deserta com palmeiras, areira branca e mar azul turquesa )
Parabéns à minha filha mais velha que faz hoje 18 anos.
Atinge hoje a maioridade. Um marco no crescimento de qualquer ser humano.
Um abraço do tamanho do mundo que, como sabes, é todo teu por direito e mérito próprios.
A realidade ultrapassa sempre a ficção. Ainda foi mais estúpido do que imaginei. Uma visita do pai à própria filha rodeada de gente a escrutinar cada gesto, humilhante para todos os que lá estiveram... só os pais não era suficiente? Deixo o video do que aconteceu.
A notícia saiu no jornal sem qualquer enfase em especial, escrita num tom quase monocórdico.
Resumindo, uma criança de 4 anos assiste ao avô a matar o pai, depois deste conseguir a visita da filha após longas demandas em tribunal. Pai advogado, mãe juíza em Ílhavo (terra que até conheço), num portugal supostamente desenvolvido.
Até onde pode ir a cegueira de alguém? O que terá passado pela cabeça do avô? E do pai? E da menina?
Vidas destruídas em nome da "razão". Estupidamente, sem nenhum brilho, sem um rasgo de lucidês.
De repente, pus-me a imaginar os contornos da situação... nem sei o que se passou, nem o que terá justificado o ato.
.........
O sacana anda há tanto tempo sem pagar a pensão de alimentos. Trabalha com recibos verdes, não declara o que ganha e ninguém o consegue obrigar a pagar a pensão. Nem o tribunal! Quem é que precisa de recibos de um advogado?
Agora quer visitar a menina!? Eu vou lá mostrar-lhe que não pode fazer o que quer. Pensa que manda em quem?
É melhor levar a arma, não vá o tipo passar-se e querer levá-la... tão pequenina, nem percebe o pai que tem.
- Já te disse que sou eu que vou, se lhe dá para a querer levar, para fugir, vais fazer o quê? E o avô gosta demasiado de ti para deixar que te levem, não é querida?
Vai correr tudo bem, mas se ele se arma em parvo vai-me ouvir! Recebi-o em minha casa como se fosse um filho, não tem o direito de vir gozar com as pessoas! Não dá nada e quer ver a menina!?
- Vamos lá querida. Não percebes nada do que se está a passar não é? Vamos ver o teu pai. Anda.
Queria que me afastasse para estar com a menina. Queria ir para perto do carro. Eu percebi bem o que ele queria. A menina começou a chorar, a discussão estalou, quis dizer-lhe duas ou três coisas. Ele respondeu sem respeito nenhum, sem nenhuma consideração. Usa as pessoas como se fossem toalhetes.
- Já disse que fico aqui! Largue a menina, a visita acabou! Você não me empurra!!! Largue-me!!
Pam, pam, pam, pam, pam!!!!!!!!
O silêncio... nenhum ruído, nem pássaros, nem cães. O trânsito parou...
.........
Finalmente vou ver a minha filha!! Tenho tantas saudades dela, das mãozinhas, das bochechas, da voz...
Pensavam que me podiam impedir de estar com ela, mas o tribunal deu-me razão! Seja lá onde for, em casa, num sítio público, no cinema, na prisão, tenho o direito de estar com a Cláudia.
Nunca me deixam ver a miúda mas exigem que pague a pensão!? Bem os tramei! Sempre tiveram dinheiro, se querem luxos, que paguem!
Por esta altura já lhe fizeram a cabeça, que o pai é mau, que não gosta dela, que se gostasse não fazia estas coisas... a ver vamos.
- Vou buscar a Cláudia, está-me mesmo a apetecer um abraço dos dela.
Bolas! Cheguei 15 minutos adiantado ao largo. Vou comprar cigarros e o jornal. Trouxe um boneco para ela. Que nervos esta espera.
Lá vêem eles, nem vou falar ao velho.
- Cláudia!!! Dá cá um beijo!
- Cláudia! Anda cá ao pai. $#%"
- Já lhe fizeram a cabeça, nem um beijo me dá!?
Baixou-se e abraçou-a. Apertou-a contra si, contra o seu peito.
- A mãe? Pergunta a Cláudia.
- Agora estás aqui com o pai. Anda até ali para estarmos os dois sozinhos.
- Não me apertes pai! Mãe!!! Começa a chorar.
O avô pega num braço da Cláudia e diz que a visita acabou.
- Era o que faltava!!! Estou há 4 meses sem a ver e agora levam-na ao fim de 2 minutos!? Eu sou o pai dela e ela vai ficar aqui comigo.
Empurrei o velho... a Cláudia chora... não tem que se meter entre pai e filha!
- Pensam que são donos dela, mas é a MINHA filha! Eu é que devia autorizar se estão com os avós ou com quem quer que seja!!!
- Pára de chorar e anda cá.
O velho reage com insultos, leva a mão ao bolso, tira uma coisa preta e oiço uma série de estrondos. Que estranho... de repente o silêncio... sinto-me empurrado para trás e estou a ficar sem força... que estranho... sinto a camisa molhada... caio no chão... a Cláudia liberta-se da minha mão... não vás! Ainda nem te dei o boneco...
Madeleine Peyroux - Dance me to the end of love
Ao contrário da convicção que tinha, o Ramadão é uma época festiva para os muçulmanos.
Talvez pelas restrições por que todos passam relativamente à comida, à bebida, ao sexo e ao tabaco, estava convencido que os ia ver com ar abatido e triste. Não é assim.
As restrições são duras e só podem ser seguidas se se possuir a vontade férrea das convicções profundas. Lembrem-se que entre as 4:00h e as 20:00h, não podem comer, beber (!!?!? ), fazer meninos, ou sequer fumar o cigarrito a seguir .
Passado quase um mês, a característica que me parece mais evidente é o sono, a palidez da pele e as mãos invariavelmente frias que todos apresentam. A maior parte deles estão mais gordos. É verdade!! Não se esqueçam que podem comer entre as 20:00h e as 4:00h. Com certeza que se devem “vingar” praticando o que para nós é o pecado da gula. Claro que podem não cumprir os objectivos entre portas, é uma questão de consciência.
Todos aparentam estar alegres e solidários uns com os outros. Para não ser indelicado, evito comer à frente deles. Só falo em comer porque abster-me de beber água parece-me um absurdo, fumar já deixei há um ano e o resto… o resto!?!? Onde!? Quem!? O quê!?
As festas multiplicam-se todas as noites e quase não se vê mulheres de hijab. Até parece que deixaram de usar, mas suspeito que devem passar o dia a cozinhar para as festas nocturnas.
Deixo aqui as diversas formas que as mulheres têm de se ocultar. O mais usual por aqui são o Hijab e o Chador, o Niqab também se vê. Nunca vi uma burka neste país.
O Ramadão vai terminar amanhã. Isto se o concelho de imãs conseguir ver a lua nova no céu Argelino, caso contrário segue por mais dois dias. Mas os religiosos não são parvos, toda a gente quer que termine já e eles fazem-lhes seguramente a vontade.
Os dois dias seguintes a terminar o Ramadão são feriado e normalmente passados em família. Faz-me lembrar as saudades que tenho da minha…
Quem me conhece, sabe que sou dado a humores e tenho andado numa de Sting.
Aqui fica:
Sting - Fragile
http://www.youtube.com/watch?v=mKq2_Mz6HMA
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