A sensação de incómodo não o largou. Quis sair, deitar-se, levantar-se, correr, mas não o suficiente. Deixou-se ficar, depois partiu.
O dia corria quente, ou antes caminhava a passo, num calor indolente.
Uma folha de publicidade esvoaça rente à calçada, empurrada pela brisa suave. O som dos insectos a voar entre arbustos. O ruído dos carros a passar ecoa por entre as esquinas. Só os seus passos o acompanham juntamente com a sombra, que se projeta sempre a esconder-se do sol.
A pouco e pouco vamos apagando tudo o que é negativo das lembranças, até já só restarem os tempos áureos. A mágoa espreita, cada vez mais desatenta, transformando-se numa angústia indistinta, até já não se lembrar porque lá está. Quem foi que a esqueceu ali ou por quem existe.
Rebobinou as memórias e tentou recriar a sequência, descobrir quando começou o ocaso, o declínio. Pode ter sido aquela vez em que não a sentiu ali, ou terá sido a outra em que o magoou de propósito? Talvez fosse a falta de comunicação nas suas palavras, na sequência de histórias embrulhadas em palavras, ou outra coisa qualquer.
Pensou "És sempre a mesma coisa! Será que esperas alguém perfeito estando tão carregado de defeitos?", mas nunca achamos serem realmente defeitos. Quis ir lá, refrescar os porquês, saber se eram uma circunstância ou um facto, mas não pôde. Não tinha o direito. Seria demasiado egoísta.
"O tempo tudo cura", disse. Havia algumas pessoas a quem gostaria de lembrar esta frase... exatamente aquelas que trataram de transformar as mágoas em azedume.
Quero que sobre algo de bom, algo perene.
Pode ser que o mar me traga essa paz. Hoje está um bom dia de mar...
ela está bem, é o que importa.
O Guincho
Pela segunda vez em 20 anos um arquiteto português recebe o prémio Pritzker.
Numa época em que até o senhor Armindo, sapateiro de profissão, fala nos "ratings da Standard & Poors", estas são as notícias que nos têm de fazer refletir.
Quando alguém faz o que gosta, com paixão, dedicação e alguma capacidade de comunicação, o resultado é bom. E é de bons exemplos que o nosso país precisa. É de pessoas com visão.
Parabéns ao Eduardo Souto Moura e a todo o seu atelier. Parabéns a todos os que não fazem concessões e presseguem aquilo em que acreditam. Os resultados surgem. Parabéns a quem não liga aos cães que ladram e valoriza mais o facto da caravana passar. Parabéns a quem não confunde o todo com a parte.
Numa época de PECs 4, de Passos de Coelhos com lógicas de capitalismo selvagem, não nos esqueçamos de quem tem obra feita, e nenhum dos políticos que aí anda tem nada que valha a pena mostrar. Os estádios do senhor Engº Téc. Sócrates não contam, estão aí todos deficitários para quem os quiser ver. Visitem o do Algarve.
Parabéns à minha filha mais velha que faz hoje 18 anos.
Atinge hoje a maioridade. Um marco no crescimento de qualquer ser humano.
Um abraço do tamanho do mundo que, como sabes, é todo teu por direito e mérito próprios.
Tudo lhe parecia agora distante. Nada o chegava agora a incomodar.
A decisão estava tomada e a incerteza terminara, pelo menos esta. Outras surgiriam.
Olhou os espaços, as pessoas, as paisagens como quem se despede de tudo. Ouviu a amalgama de sons de trânsito, as conversas naquela língua "macarrónica", o som ambiente. Tentou registar os cheiros, os aromas agradáveis, mas também os outros. A memória era tudo o que lhe iria restar de toda esta experiência e convinha avivá-la.
Como sempre, admirou-se com a hipocrisia de certas pessoas, com a generosidade de outras, ou ainda, a emotividade insuspeita de algumas. O ser humano surpreende-nos sempre. É preciso encerrar capítulos e este era só mais um.
A ver vamos o que o próximo capítulo nos reserva.
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. O génio