Sexta-feira, 20 de Setembro de 2013

A libertação

Talvez tenhamos que nos libertar dos bens materiais para atingirmos a felicidade. Nesse caso estou quase lá.

Talvez tenhamos que nos libertar de toda a zanga e simplesmente aceitar os factos da vida.

Talvez me converta ao budismo, ao islamismo, ao "abdicarismo", ao "desistismo", ao "abstinentismo" e a mais qualquer outro "ismo" de que me lembre.

 

Foto de sem abrigo (Reuters)

foto Reuters

 

E o que é a verdade!? Talvez um dia a verdade aconteça, talvez germine e cresça como um rebento de soja. Talvez a minha verdade esteja errada e tortuosa. Talvez se me libertar de ideias pré-concebidas que desconheço, ela se erga numa coluna de fumo e luz.

 

Olho para uma vida cheia de becos sem saída e apostas falhadas. Diz-se que "o que não nos mata torna-nos mais fortes", e se nos matar? Se nos formos tornando sombras de nós mesmos a pouco e pouco. Os dedos sem sentir a pouco e pouco. As pancadas já sem doer, a pouco e pouco. Sem capacidade de reacção. Um esgar no rosto sem sequer parecer um sorriso, uma careta.

As palavras foram lapidares, a conclusão foi tirada. As chaves do carro ficaram sobre a secretária vazia, a mochila no chão ao lado desta. Sem sentir a cadeira a arrastar, levantou-se e saiu indiferente aos protestos que as coisas não estavam terminadas. Precisava de ar.

Os olhos pequenos, já crescidos de olhar. Os ouvidos cheios de sons, uns bons outros maus. Uns breves outros longos e agudos como estiletes. A narrativa da mentira, a narrativa da boçalidade destrutiva como um buldozer. Cabeças de criança terraplanadas de ideias violentas, de destruição brutal.

 

Ninguém nos prepara para isto quando temos um filho. Ninguém nos prepara para isto quando temos dois. Ninguém.

Tornamo-nos sombras, espectros. Sem rumo, sem norte, sem conteúdo.

Seja feita a vossa vontade.

 

 

 

Tiago Bettencourt - O Jogo


publicado por BigJoao às 02:11
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Sábado, 16 de Abril de 2011

Um Viva às boas surpresas!

Ouvi hoje e adorei a voz, a sonoridade!

 

 

Percorri as memórias sem encontrar de onde me vem esta aderência às "coisas de África". Nem família, nem nada na infância. O meu pai fez a tropa no hospital militar, não é daí. Tive um tio na guerra de África mas, nunca falou muito no assunto, suponho que não havia muito que falar.

 

Porque se me aguçam os sentidos sempre que alguém fala nessas paragens? Talvez seja o apelo do mar, dos descobrimentos. Talvez exista um Bartolomeu Dias em cada um de nós...

Bebo as histórias vividas, contadas na 1ª pessoa. Imagino os sítios, as gentes, mas por mais que imagine, seguramente que a realidade ultrapassa tudo isso.

 

Lá irei... lá irei. E lá entenderei o chamamento.


publicado por BigJoao às 02:40
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Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

A espera.

Atirou com o portátil para a mala e voou para o elevador. Estava atrasado para ir buscar a Mariana à escola e detestava imaginá-la à sua espera, sozinha. Estas reuniões de treta davam cabo dele, parecia que só serviam para conversar em vez de servirem para tomar decisões. Saiu da empresa a correr e claro, quando chegou ao carro já tinha uma multa da EMEL. "Será possível que estes filhos da puta não perdoam nem 10 minutos de atraso"!?

Pôs o carro a trabalhar e arrancou. Ultimamente parecia que tudo estava contra ele, desde a D. Aldina que decidiu deixar de ir lá a casa fazer as limpezas, "porque arranjou uma senhora que precisa dela todos os dias", à ex-mulher que parecia ter voltado a entrar em rota de colisão, sempre do contra, sempre a afirmar a sua zanga, até às finanças e agora a EMEL. Avançou o mais depressa que conseguiu pelo transito que se espreguiçava para as saídas de Lisboa. Só precisava de chegar à auto-estrada, depois era sempre a abrir até à escola. "Tenho que ver aquele tec-tec na roda, já anda assim há 3 meses, deve ser qualquer coisa, já para não falar no tejadilho que mete água", pensou. Voltou a imaginar a Mariana à espera na escola só com a empregada da portaria e instintivamente carregou mais no pedal. "Agora nesta recta já posso andar, felizmente nesta auto-estrada não anda quase ninguém, esta treta é que parece que se vai a desconjuntar".

De repente, um som de metal a partir e sem qualquer aviso, sentiu-se abanado, chocalhado, sacudido, revirado. Bateu contra a porta, o volante, o pára-brisas, de cabeça para baixo, para o lado, até que o carrossel parou e ficou deitado de lado, com a cara encostada ao tejadilho do carro, entre cacos de vidro.

"Que merda! Logo agora tinha que ter um acidente, foda-se"! A Mariana à espera, tenho que chamar um taxi. Se calhar é melhor pedir à mãe que a vá buscar, mas está em Lisboa, vai demorar uma eternidade. "Onde está o telemóvel"!? Quis estender a mão para procurar o telemóvel mas não conseguiu. Também não sentia as pernas. "A Mariana à minha espera e vou chegar ainda mais tarde do que já ia, coitada". Sentiu qualquer coisa nos pulmões, tossiu. Ainda não se tinha conseguido mexer.

Lembrou-se dos abraços adoráveis da filha, com os seus braços pequenos a tentar envolvê-lo por completo. Adorava-a e não estava a conseguir encontrar o telemóvel para avisar alguém que a fosse buscar. Tossiu novamente e desta vez saiu qualquer coisa que não conseguiu ver quando tentou espreitar. Estava completamente preso. "O que vale é que isto não é como em Hollywood, em que os carros explodem sempre que têm um acidente".

Podia estar a fazer os trabalhos de casa enquanto esperava por ele, mas já tinha estado todo o dia na escola, não lhe devia apetecer. Sentiu frio. "Tenho mesmo que sair daqui"! Fez um esforço para tirar o braço debaixo do corpo, mas já estava dormente e nem o sentiu mexer. Tentou chegar com o outro braço ao cinto mas não teve força, parecia preso. Tossiu e desta vez viu um salpico que parecia sangue. "Que diabo! Devo estar ferido mas não sinto." Cada vez estava mais frio, só queria encontrar o telemóvel.

A pouco e pouco, começou a sentir a língua a ficar tipo cortiça, uma incapacidade de manter os olhos abertos. Aqueles olhos que lembravam o sorriso dela, as suas gargalhadas de criança. Aqueles olhos que agora teimavam em fechar-se enquanto transbordavam de afecto. A tosse cada vez mais forte. "Quem é que a vai buscar à escola, que eu acho que já não vou conseguir!? Vai esperar tanto tempo! Que parvoíce..."

 

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publicado por BigJoao às 23:47
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