A caneta desenha letras no papel, criando um estranho quadro, uma estranha imagem de linhas separadas a espaços... por espaços. O papel, outrora de uma candura tipificada, normalizada e monótona vai-se deixando manchar sem retorno. Também a vida não tem volta.
As palavras foram ditas sem retorno. Palavras de fuga, palavras de enganar, palavras de indecisão. Qualquer palavra era boa para evitar a perda. Qualquer ardil era bom para atingir aquele fim.
As pessoas revelam-se em três tempos, basta enfrentarem uma crise, uma situação extrema e lá estão elas a espreitar, os seus princípios, a sua estrutura, os seus valores.
Fingiu um desequilíbrio instantâneo e avançou vacilante pelo corredor. O tecto baixo misturado com as lâmpadas flurescentes projectam sombras em todas as direcções. Ruídos estranhos e ligeiros, numa quietude de vigília. Uma calma tensa.
As paredes brancas cheias de placards informativos, "Saída", "Recepção". Pessoas paradas pelos cantos.
A decisão surgiu, sempre demorada. Sempre a mesma espera... as regras... os procedimentos... as vontades... a dor.
O homem sempre quis brincar aos deuses, deformar sonhos, encontrar a insustentável leveza do ser. Soa sempre a piada de mau gosto.
Bob Dylan - Jokerman
Crescemos sempre, melhor ou pior vamos crescendo. Vamos apanhando pancada na vida, mas crescemos sempre.
Uns crescem mancos, outros corcundas, outros ainda cegos. Não me refiro a deficiências físicas, refiro-me a condicionamentos ou incapacidades que vamos adquirindo ao longo dos anos.
Se nos cortam a liberdade de expressão ou não nos respeitam as opiniões, com o tempo e a repetição destas situações, acabamos por nos convencermos que a nossa opinião não tem valor. Seremos incapacitados nesta área, analfabetos de opinião.
Se nos impedem de demonstrar emoções, acabamos por tapá-las dentro de nós. Faremos de tudo para nunca admitir que sentimos, pois os sentimentos podem ser perigosos se forem diabolizados desde cedo... pelo menos é assim que os vamos ver.
Se nos cortam a agressividade rente, seremos incapazes de nos defendermos perante um acto agressivo.
Se nos convencem que somos os melhores sprinters do mundo e acabamos por nunca ser ou sequer andar lá perto, então o mundo é que está mal, não será seguramente a mamã...
António Zambujo - Fortuna
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