Quarta-feira, 3 de Dezembro de 2008

Al-Jazaïr - A tasca

Acordei mais cedo porque estou a deslocar-me para outras instalações e estas são mais longe. Esqueci-me de tomar o café no Hotel e só fomos tomar quando chegámos. Ao fundo da rua havia lojas e numa delas, um toldo anunciava "Café". Entrámos no espaço, que na realidade deveria ser um portal do tempo. Só o balcão de mármore deve ter sido limpo pela manhã, tudo o resto não via um pano desde as eleições de 1990, quando a eminente eleição da FIS levou a um banho de sangue perpetrado pelos militares. Quatro homens atrás do balcão atendem os pedidos de cerca de 12 argelinos e 2 portugueses. O nosso traje destoa gritantemente com o ar miserável do local, pedimos os cafés que são tirados numa máquina daquelas com uma alavanca, mesmo antiga! Colocam-nos os cafés em dois copos de vidro pequenos, do tamanho das nossas chávenas. O café é agradável, só é preciso cuidado para não beber a borra no fundo deixada pela máquina. O preço? 0,15€

Foto da entrada do café.


A conversa no caminho foi interessante, se atendermos que este "meu mundo" é normalmente constituído por autênticos pitbull que mordem onde o dono manda.
O meu colega começa a revelar-se surpreendentemente humano. Falo de uma pessoa que afirma que dá sempre dinheiro a qualquer pedinte, seja drogado, pobre, quer tenha necessidade ou não. Diz ele que se uma pessoa chega ao ponto de pedir dinheiro aos outros, é porque a vida não o tratou bem, é porque existe um desequilíbrio interior, tem a vida desmontada e se esse dinheiro o faz feliz, mesmo que seja para se drogar, ao menos vai ter 10 minutos de felicidade nesse dia.
Não vamos confundir isto com caridadezinha, do tipo dá a esmola ao pobrezinho, porque não tem o que comer. Há aqui algo que vai muito além disso.
Eu não dou a todos os que me pedem, sobretudo se estiver a estacionar e o "agarrado" aparecer depois de eu já ter começado a estacionar. Justifico a mim próprio que não dou porque ele não me prestou nenhum serviço, ou seja, faço uma selecção. A lógica deste meu colega é outra, ele dá porque está a dar para que alguém que ele não conhece, tenha um momento de liberdade, de prazer nesse dia. Ainda me está a fazer pensar, sobretudo porque no caso dele, é uma prática de vida.

Por estes lados prepara-se a festa da Aide. As próximas terça e quarta-feiras vão ser feriado. Neste feriado as famílias têm de comprar uma ovelha, matá-la e oferecer metade desta aos pobres. Mesmo quem não é muçulmano deve fazê-lo e parece que levam isto mesmo muito a sério. Nesta altura, as famílias oferecem dinheiro aos pobres para que comprem roupa e possam satisfazer as suas necessidades.
Aparentemente não é necessária uma declaração da junta de freguesia (como no rendimento social de inserção) para se saber quem são os pobres. Nos seus bairros todos os conhecem. A pobreza está sempre próxima neste país.

Esta sociedade tem aspectos fabulosos.


publicado por BigJoao às 18:29
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Terça-feira, 21 de Outubro de 2008

Os Inadaptados

Pois, o título é um vil e descarado plágio do livro do Arthur Miller .

Este é o post dedicado aos emocionalmente inadaptados, pessoas (como eu?) que não sabem distinguir nem dar o devido nome à emoções que sentem ou que observam.
Imagine que não possui essa competência humana, que as únicas emoções que realmente reconhece são a paixão e o ódio e, que todas as outras (a ternura, o amor, a inveja, a compaixão, etc.), não passam de cinzentos numa escala do preto ao branco. Mais tarde, passado o calor do momento, quando nos dizem, "aquilo foi azul", conseguimos identificar o azul que lá há, mas já pode ser tarde demais.
Como fazer para não transformar a vida num tubo de ensaio? Como reconhecer imediatamente o que para os outros parece ser instantâneo? Sem reconhecer a emoção do outro, não existe reacção adequada.

Uma pessoa assim pode fazer estragos. Somos verdadeiros "snipers" emocionais, elefantes em loja de porcelanas, quando tentamos lidar com os estímulos exteriores. Alguém está invejoso e nós espicaçamos ainda mais; se alguém nos trata de forma afectuosa, somos duros em resposta a uma suposta "inveja"...

Quero um manual, as instruções da vida emocional, um curso de orientação!!! Esta guerra está a provocar demasiadas baixas. Como todas as guerras, esta também é injusta. Parece que perdi o controlo da minha vida, do que provoco nos outros, do que sinto nos outros.
Era muito bom conseguir dizer, o Zé ficou triste comigo, ou a Raquel amuou, em vez de classificar as coisas em grau de chateação. O Zé está chateado, a Raquel está chateada. O que é isso de estar chateado? É estar aborrecido, amuado, triste, revoltado, zangado, mal disposto!?
Não sei.
Vejo a vida entre o chateado e o contente.

Para contornar esta nossa limitação, somos muito racionais. Reforçamos de racionalidade as nossas defesas e tornamos o forte inexpugnável. Defesa inglória de nós mesmos.

Um coxo, é como me sinto. Olho para baixo e as pernas estão lá, têm tudo para funcionar mas não funcionam como devem, nem com a ligeireza com que deviam.




PS: Este post foi escrito num determinado contexto, aflige-me o sofrimento, seja ele qual for e de quem for, inclusive o meu.
Estar vivo é um risco, não posso responsabilizar-me por riscos que alguém se predispôs a correr de livre vontade. Cada vez que nos envolvemos com alguém, corremos riscos. Por vezes magoamos, outras vezes somos magoados.
Sou como sou. Talvez este blog seja um pouco exagerado, característica que faz parte de mim. Quando alguém se envolve, leva o pacote, com tudo o que tem de bom e de mau.


publicado por BigJoao às 18:10
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Domingo, 23 de Março de 2008

A maldade

A maldade apanha-me sempre de surpresa. Acho que nem nunca entendo bem de onde vem, qual é a sua origem.

O que é que leva uma pessoa a ter necessidade, ou a sentir vontade de fazer mal a alguém? Só pode ter origem em sentimentos mesquinhos, pequeninos.
Por outro lado, são as pessoas que nos são mais próximas, aquelas a quem damos a capacidade de nos fazerem um mal maior. Como é possível que os que nos são próximos e nos conhecem, sintam vontade de nos prejudicar? Já me falaram em inveja, que é coisa que só a custo consigo identificar noutra pessoa. Já me falaram em vingança, que é um sentimento forte e sem nenhum objectivo construtivo.

Quando o nosso lado irracional toma conta de nós, a única solução é racionalizar. Isto aprende-se e controla-se.

A meu ver, a maldade pura e dura só pode ter origem numa necessidade de sentir poder. Quando os miúdos do Porto decidiram tratar mal o travesti, só o fizeram porque sentiram que podiam, porque sentiram que isso os fazia sentirem-se poderosos. Podiam ter parado em qualquer altura, mas não, a vida de alguém estava nas suas mãos. Existirá maior sensação de poder que esta? Decidir quem vive ou morre?
Neste caso particular, onde ficou a compaixão? Este é também um sentimento muito humano. Não acho que seja necessário ensinar a alguém a ter compaixão por um seu semelhante que se encontra numa situação de fragilidade. Será que os comportamentos de grupo explicam tudo?

Quando um casal se agride com a violência da palavra, onde estão as pessoas que se amaram e respeitaram outrora? Como conseguiram sobrepor ao amor e à paixão, a mesquinhez do insulto, da ameaça, armados até aos dentes de uma imaginação malvada?

Não conheço ninguém que ache que está errado. Um ladrão quando rouba, desculpa-se a si próprio achando que a vítima não precisa ou ainda é um ladrão maior que ele. O que será que legitima nas cabeças das pessoas a maldade? Será que as suas consciências os deixam dormir? Provavelmente surgem pensamentos do tipo "estava mesmo a pedir".

O ser humano continua a ser uma surpresa permanente.


publicado por BigJoao às 03:42
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