- Fui eu que fiz!
Afirmou do outro lado do balcão com orgulho de artesã à espera de um reconhecimento, de um cumprimento.
Nem o consegui dizer, fui imediatamente interrompido por alguém que passou por trás de mim e se veio colocar à minha direita.
- Deixou cair um papel no chão.
Olhei para ela. Uma morena da minha altura, rosto de traços finos com óculos de armações em massa preta. Sorri e olhei para a esquerda. Lá estava a factura do telefone perdida atrás da cadeira onde estive sentado.
- Infelizmente é uma conta para pagar. Bem tentei esquecê-la...
Disse enquanto me baixei para a apanhar.
- Se a deixar aí, juro que não volto a chamar a atenção.
Respondeu com um sorriso.
- Esta ainda vou pagar, talvez para a próxima... boa tarde e obrigado.
Saí para a rua empurrado pelo olhar do mais que provável marido. O frio e os chuviscos arrefeceram-me a cara e mãos, até me souberam bem.
Um destes dias volto cá, os croissants são fabulosos e acabei por não o dizer.
Mayra Andrade - We used to call it love
As relações, os afectos, os filhos, a família, os amigos, os colegas, os cursos, as certificações, o trabalho, os bens ... qual é a medida do sucesso? Qual é a medida do falhanço?
É difícil sentir-me bem em mim. Por vezes preciso do silêncio, preciso de estar comigo. Saí de casa com a chuva a cair. Protejo o livro dentro do casaco, não gosto de ver livros com páginas molhadas de chuva. Não vou ler, quero simplesmente a sua companhia. Aquele cantinho acolhedor resguardado dentro do casaco.
Respiro. Inspiro aquele ar frio... expiro-o já processado. Nada de especial, sempre o fiz. Sempre não! Houve aquele dia em que te estava a chatear de propósito irmã. Era grande mas imaturo, como todos os rapazes de 15 anos a chatear as irmãs são. Já não me conseguias bater sem que o deixasse. Deste-me um murro nas costas e de repente parei de respirar. Incrédulo quis inspirar e não consegui, uma, duas, três tentativas e nada... já deitado no chão lá comecei a conseguir. Não foram mais de 20 segundos mas foi assustador.
Hoje olho para trás e sei que fiz o que tinha que fazer. Melhor ou pior, fiz. Não me devia sentir derrotado, sem vontade. Nem eu nem os outros 16,9% de desempregados.
Hands on Approach - Days of Our Own
Seis candidatos.
Na Tv vê-se que as pessoas se acotovelam com fraco entusiasmo para ver passar o indivíduo. É mau comunicador.
- Como justifica a venda das acções?
- Houve aproveitamento da sua influência?
A multidão faz silêncio mas não se ouve nenhuma voz. A procissão segue o seu caminho, cabisbaixa, diminuída pela incapacidade do "seu líder".
Na sala propositadamente pequena os ombros apertam-se. O calor sufoca enquanto uma voz de trovador se ergue para admitir que nem as suas finanças consegue gerir. A voz afaga os presentes de tanta impulsividade, de tanto coração a transbordar amor. As pessoas amam-no, amam o cidadão, o poeta, sem acreditar nele travestido de presidente.
Ainda não tinha sido feita a pergunta e o candidato falava já nos grandes grupos económicos, nos especuladores, na exploração dos trabalhadores e nos latifundiários. Os desempregados sentiram-se também um pouco trabalhadores, os rendimentos sociais de inserção identificaram-se com ele, com o conforto e a ilusão de que a vida pode continuar a ser assim, os reformados olharam-no com o descrédito dos que sabem que a vida não é assim.
O ar sério de menino que cresceu e tem o desejo de se mostrar lá para casa, faz com que a irreverência sobressaia. Sempre agressivo e a apontar dedos. A palavra de ordem é o NÃO. Não há tourada, Não há soluções, só acusações e ambição de poder um dia dizer que se esteve lá.
O passado humanitário e o reconhecimento da competência necessária ao funcionário leva-o ao deslumbre de cumprir o sonho. Não tem o verbo fácil de um político experiente, levam-lhe facilmente a credibilidade e torcem-na sacudindo-a sem pudor, quase retirando o mérito do seu passado de obra sem política.
Sorri satisfeito por ter conseguido as assinaturas, por estar na TV e poder "dizer coisas". - Afinal é de esquerda ou de direita? - Concorre pela direita?
Diz-se de esquerda mas a usar o trampolim da direita. Afinal esquerda, direita é tudo igual. No fim da campanha vai conseguir mais uns clientes e ser conhecido em todo o país.
Onde estão os candidatos!? Isto não chega!
E se um dia te sentires excluído, mal tratado, abatido, deprimido, amargurado, aviltado, lembra-te que em tempos foste O primeiro entre milhões de espermatezóides a chegar ao óvulo.
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. Eu é que sou o persidente...