Confesso que amei. Amei e tenho amado sem moderação nem reservas, sem temor nem calculismo. Amei porque sim.
Tive essa sorte de amar, de me apaixonar de me entregar sempre e mais uma vez. Apesar das quedas, dos desastres, dos estampanços de frente, continuei com uma quase candura a querer amar como da primeira vez. Em cada amor acabado deixei uma parte de mim, pelo que agora sinto-me um pouco por todo o lado. Partes que somadas não fazem um todo. Um braço aqui, um pé ali e no entanto sinto-me inteiro. Um pouco mais nostáligico do que podia ter sido, deste ou daquele futuro que se esboroou com o fechar da cortina.
O meu porto seguro são essas nódoas negras, são a única coisa que tenho garantida.
A questão é mesmo não desistir, porque olho à volta e vejo tantos braços caídos, tantas pessoas sentadas no lancil do passeio acarinhando as suas feridas e nódoas negras.
Sinto sempre a esperança de levantar voo e sentir-me mais, melhor que eu, capaz de tudo o que não sou.
HMB ft. Carminho - O Amor é Assim
Estou a ver as nuvens escuras ao fundo, mas não me vão apanhar.
Como a chuva de verão, um sol de inverno, sinto-me uma espécie de sobrevivente, contra tudo e contra todos.
Mas não é verdade. Família e amigos são um apoio indispensável seja para quem for e eu não sou excepção. Ainda bem porque os tenho muitos e bons.
Os acontecimentos sucedem-se a um ritmo absurdo.
O mundo adoeceu. O dinheiro e a fama elevados a valor, no altar do "desenvolvimento" e da "modernidade". Sinto que não passamos de parolos quando esquecemos as coisas simples, quando desleixamos as emoções básicas.
Perdemos a capacidade empática para com o outro. Talvez demasiados programas de "Apanhados" na TV nos estejam a deixar a pele mais grossa, as emoções mais rijas. Os Coelhos desta vida, indiferentes ao sofrimento alheio, inconscientes das suas próprias limitações e mediocridade. Os Portas carregados de estratégias de silêncios bem geridos, de enriquecimento e ganância. Ambos incapazes de fazer o que está certo e depôr os milhares, as dezenas ou centenas de milhar de pessoas nomeadas para o aparelho de estado durante 4 décadas e que não são necessárias. Que se entretêm uns aos outros sem propósito.
Não, a solução não está em ter políticos profissionais, nem deputados profissionais, sem conhecerem a vida real. Enchem a boca a falar de eficiência e de rentabilidade dos portugueses e não tratam de fazer um exercício de auto-crítica. Quanta da ineficiência é causada por legislação desconexa, produção de leis sobre leis, alterações constantes sem rumo? Se os centros de decisão já não estão em Portugal, então quem elege os decisores? Quem elege os Barrosos, os Shultzs, os Junqueres desta europa?
Acredito muito nesta frase de Gandhi: "Começa em ti a mudança que queres ver no mundo".
Vamos ser todos melhores pessoas, melhores profissionais e tudo vai melhorar.
Aretha Franklin - Think
Vestiu a camisola de lã cor de sangue escuro. Com o frio que estava, só mesmo a lã o conseguia aquecer. Pegou no blusão, carteira, chaves e saiu de casa batendo a porta. O som dos seus passos no chão húmido ecoou pelas escadas do prédio. A cada passo a sensação de pisar areia no chão, areia que no verão nem se sente, nem se nota.
Iyeoka - Simply Falling
Já na rua, o frio descobriu forma de lhe encontrar a pele, nas mãos, no pescoço, na cara. Empurrou as mãos para os bolsos das calças de ganga, mas só se sentiu apertado, preso. Voltou a guardar as mãos nos bolsos do blusão. Tomou a direcção habitual para apanhar o metro. Pelo chão vários castanhos nas folhas de plátano. Os sapatos com sola de borracha manhosa, a chuva e as folhas levaram a pequenas escorregadelas sucessivas. Atravessou a rua para o passeio nu, sem o cobertor de folhas nem o perigo de queda.
Da estação solta-se um ruído de comboios que chegam e partem, misturado com o da escada rolante. Pessoas apressadas, sempre apressadas, sempre com receio de perder o metro, sempre com medo de esperar e se verem perante si mesmas.
Saiu no Martim Moniz, início da Mouraria. O Centro comercial enorme num dos lados da praça. Atravessou-o e viu-se frente a um bloco de mármore rosa meio esculpido, onde se percebe uma guitarra portuguesa. Entrou na rua do capelão e re-encontrou Lisboa e as suas ruelas. Sentiu-se em casa. Esta é a Lisboa que é boa de viver, a Lisboa do fado. Mas não um fado triste e soturno, um fado alegre e bem vivo. Um fado a cada esquina. Deixou-se entranhar pelo espírito e amou profundamente.
Lisboa também é isto.
O dia rasgou a noite, como o sol rompeu a chuva. De tempos a tempos procuro o arco-íris sem o descobrir.
Mariza - Chuva
A vida continua a surpreender-nos aqui e ali, mas as emoções fortes são o que nos faz sentir vivos.
Por vezes somos fortes, outras frágeis, outras somos só espectadores.
Não consigo ser inteiro, nem alto, nem distinguir o principal. Busco o principal mas o secundário distrai-me. Espero dos outros as soluções que não construo. Destruo o que não me destroi, na ânsia do que me desfoca.
E esta chuva que me inunda a alma em jorros de insanidade. Sinto-me a enlouquecer. Deixei de acreditar em mim, no que faço. Deixei de acreditar na consequência do que faço. Deixei... escapar-te entre os dedos... porque não tinha força para suster-te nas mãos. Como se a areia pesasse toneladas e os dedos cedessem.
Não consigo pensar nem ser razoável, como sempre fui. Tudo me magoa, me atinge... apetece-me chorar toda esta chuva, inundar campos de lágrimas. Para que floresçam malmequeres e papoilas fortes e viçosas de emoções choradas, mortas.
Tudo se mistura numa amalgama indistinta de amores, família, trabalho. Tudo.
Lembro-me do teu queixo a tremer, meu filho, enquanto resistias a deixar correr nem que fosse uma lágrima. Bastava um sopro nessa altura e elas correriam numa torrente libertadora. O pai também não consegue chorar... nem sei bem porquê. Mesmo assim resististe quase cinco minutos. Não pensei que tivesses endurecido tanto.
Também me lembro da tua alegria, do teu sorriso.
Um dia vamos chorar e rir de tudo isto. Um dia vamos rir.
Hoje lembrei-me de uma das melhores canções de sempre da música portuguesa.
De Luís Pedro Fonseca, que a sentiu, escreveu e lhe deu corpo, para a Lena d'Água, que lhe deu voz e inspiração. O José Cid já a interpretou e até uma miúda que mal sabe falar português (é uma versão linda).
Sempre que o Amor me quiser
Basta fazer-me um sinal
Soprado na brisa do mar
Ou num raio de sol
Sempre que o Amor me quiser
Sei que não vou dizer não
Resta-me ir para onde ele for
E esquecer-me de mim
E esquecer-me de mim
Como uma chama que se esquece
Numa fogueira que arde de paixão
Sempre que o Amor me quiser
Sei que a razão vai perder
Que me hei-de entregar outra vez
Como a primeira vez
Sempre que o Amor me quiser
Vou-me banhar nessa luz
Sentir a corrente passar
E esquecer-me de mim
E esquecer-me de mim
Como uma chama que se esquece
Numa fogueira que arde de paixão
Sempre que o Amor me quiser
Estava uma manhã fria e húmida. O nevoeiro não deixava ver mais de 30 metros em redor.
Saiu da pastelaria aborrecida. O empregado nunca reparava nela, parecia que nunca a ouvia. Apesar dos seus pedidos repetidos por uma torrada e uma meia de leite, era surdo à sua voz. Perdia sempre imenso tempo na pastelaria, mas raramente perdia o autocarro das 8:10h.
Às 8:27h entrava no barco para o Terreiro do Paço, pouco antes das 9:00h estava a entrar na loja.
Sempre a mesma rotina, sempre a mesma vida. Poucas surpresas. A família esperava dela que casasse e tivesse filhos, mas nenhum rapaz parecia ser o tal. Nenhum príncipe encantado, só desilusões desdentadas e desbocadas.
Fora educada para se portar bem e por essa via chamar a atenção de um bom rapaz, como lhe dizia a mãe. As pessoas já não pareciam valorizar essa postura e ela esperava, esperava sempre... dos olhares cruzados à troca de palavras, destas à desilusão e até mágoa, nunca ia grande distância.
Ia continuar à espera, sempre à espera. Uma vida assim, deitada fora por convicções que nem sabia se eram realmente dela.
Crowded House - Don't Dream It's Over
A caneta desenha letras no papel, criando um estranho quadro, uma estranha imagem de linhas separadas a espaços... por espaços. O papel, outrora de uma candura tipificada, normalizada e monótona vai-se deixando manchar sem retorno. Também a vida não tem volta.
As palavras foram ditas sem retorno. Palavras de fuga, palavras de enganar, palavras de indecisão. Qualquer palavra era boa para evitar a perda. Qualquer ardil era bom para atingir aquele fim.
As pessoas revelam-se em três tempos, basta enfrentarem uma crise, uma situação extrema e lá estão elas a espreitar, os seus princípios, a sua estrutura, os seus valores.
Fingiu um desequilíbrio instantâneo e avançou vacilante pelo corredor. O tecto baixo misturado com as lâmpadas flurescentes projectam sombras em todas as direcções. Ruídos estranhos e ligeiros, numa quietude de vigília. Uma calma tensa.
As paredes brancas cheias de placards informativos, "Saída", "Recepção". Pessoas paradas pelos cantos.
A decisão surgiu, sempre demorada. Sempre a mesma espera... as regras... os procedimentos... as vontades... a dor.
O homem sempre quis brincar aos deuses, deformar sonhos, encontrar a insustentável leveza do ser. Soa sempre a piada de mau gosto.
Bob Dylan - Jokerman
O último estremeção descontrolado num esgar de esforço envolto por uma inundação simultânea de prazer. A maré alta dos sentidos.
Os corpos suados, colados em humidade, tombados um e outro por uma respiração cada vez menos ofegante.
O mundo vai lentamente voltando a existir na forma de luz, som e tacto. A brisa abana as cortinas e faz-se sentir num toque suave, quase doce sobre a pele. Os movimentos lá fora adivinham-se pelos sons que chegam à janela. Um carro que arranca, um cão a ladrar, uma porta a bater...
São momentos eternos. O prazer é divino, os deuses são eternos, então os momentos são eternos.
(...) ainda te sinto em mim, ainda penso em ti, pensa em mim, mas só mais uma vez (...)
Tiago Bettencourt & Mantha - Só mais uma volta
"Porque quem ama, tem medo de perder"
Quem ama, também tem medo de sofrer. Quem ama, tem medo de amar demais. Quem ama, tem medo de se enganar. Quem ama, tem medo...
Levantou os olhos do livro, olhou para a esquerda e não viu vivalma, à direita só um pescador esquecido lá ao fundo, uns barcos mal semeados no Tejo e mais nada. Quis pegar na mota e seguir até Roma, Florença, Berlim, Helsínquia. Quis pegar no barco e velejar até às Caraíbas, descer à Patagónia e voltar pela Oceânia, Moçambique. Pegar no balão e subir pela Tanzânia, Zanzibar, Egipto e voltar. Chegar e perceber que tudo estava igual e no entanto, tudo tinha mudado completamente.
Tenho saudades dos meus filhos, da sua alegria transbordante quando estão juntos. Nem sequer se apercebem que não consigo conter um sorriso quando sem envolvem em debates sobre isto, sobre aquilo, sobre conceitos que são só deles, entusiasmados uns com os outros. Esquecem-se que ali estou, a levá-los para algum lado em silêncio, enquanto me alimento daquela alegria, enquanto se alimentam mutuamente de satisfação.
The Gift - Fácil de entender
Hoje joga a selecção e estou numa inquietação sem justificação, que nada tem a ver com a selecção. É uma inquietação interior, que não me deixa em paz.
Hoje ouvi que somos um povo megalómano. O Júlio Machado Vaz partilhou esta visão com o auditório da Antena 1 e eu estou-me a sentir arrastado para concordar. Nunca tinha visto as coisas assim. Porque tenho sempre que querer tudo? Quero toda a felicidade, todo o amor, toda a paixão, toda a aventura, toda a glória... tudo!!!
Sou um megalómano da felicidade.
Alienação parental:
"É o termo proposto por Richard Gardner em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro conjuge, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro progenitor."
Hoje em dia, é crime.
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