A notícia saiu no jornal sem qualquer enfase em especial, escrita num tom quase monocórdico.
Resumindo, uma criança de 4 anos assiste ao avô a matar o pai, depois deste conseguir a visita da filha após longas demandas em tribunal. Pai advogado, mãe juíza em Ílhavo (terra que até conheço), num portugal supostamente desenvolvido.
Até onde pode ir a cegueira de alguém? O que terá passado pela cabeça do avô? E do pai? E da menina?
Vidas destruídas em nome da "razão". Estupidamente, sem nenhum brilho, sem um rasgo de lucidês.
De repente, pus-me a imaginar os contornos da situação... nem sei o que se passou, nem o que terá justificado o ato.
.........
O sacana anda há tanto tempo sem pagar a pensão de alimentos. Trabalha com recibos verdes, não declara o que ganha e ninguém o consegue obrigar a pagar a pensão. Nem o tribunal! Quem é que precisa de recibos de um advogado?
Agora quer visitar a menina!? Eu vou lá mostrar-lhe que não pode fazer o que quer. Pensa que manda em quem?
É melhor levar a arma, não vá o tipo passar-se e querer levá-la... tão pequenina, nem percebe o pai que tem.
- Já te disse que sou eu que vou, se lhe dá para a querer levar, para fugir, vais fazer o quê? E o avô gosta demasiado de ti para deixar que te levem, não é querida?
Vai correr tudo bem, mas se ele se arma em parvo vai-me ouvir! Recebi-o em minha casa como se fosse um filho, não tem o direito de vir gozar com as pessoas! Não dá nada e quer ver a menina!?
- Vamos lá querida. Não percebes nada do que se está a passar não é? Vamos ver o teu pai. Anda.
Queria que me afastasse para estar com a menina. Queria ir para perto do carro. Eu percebi bem o que ele queria. A menina começou a chorar, a discussão estalou, quis dizer-lhe duas ou três coisas. Ele respondeu sem respeito nenhum, sem nenhuma consideração. Usa as pessoas como se fossem toalhetes.
- Já disse que fico aqui! Largue a menina, a visita acabou! Você não me empurra!!! Largue-me!!
Pam, pam, pam, pam, pam!!!!!!!!
O silêncio... nenhum ruído, nem pássaros, nem cães. O trânsito parou...
.........
Finalmente vou ver a minha filha!! Tenho tantas saudades dela, das mãozinhas, das bochechas, da voz...
Pensavam que me podiam impedir de estar com ela, mas o tribunal deu-me razão! Seja lá onde for, em casa, num sítio público, no cinema, na prisão, tenho o direito de estar com a Cláudia.
Nunca me deixam ver a miúda mas exigem que pague a pensão!? Bem os tramei! Sempre tiveram dinheiro, se querem luxos, que paguem!
Por esta altura já lhe fizeram a cabeça, que o pai é mau, que não gosta dela, que se gostasse não fazia estas coisas... a ver vamos.
- Vou buscar a Cláudia, está-me mesmo a apetecer um abraço dos dela.
Bolas! Cheguei 15 minutos adiantado ao largo. Vou comprar cigarros e o jornal. Trouxe um boneco para ela. Que nervos esta espera.
Lá vêem eles, nem vou falar ao velho.
- Cláudia!!! Dá cá um beijo!
- Cláudia! Anda cá ao pai. $#%"
- Já lhe fizeram a cabeça, nem um beijo me dá!?
Baixou-se e abraçou-a. Apertou-a contra si, contra o seu peito.
- A mãe? Pergunta a Cláudia.
- Agora estás aqui com o pai. Anda até ali para estarmos os dois sozinhos.
- Não me apertes pai! Mãe!!! Começa a chorar.
O avô pega num braço da Cláudia e diz que a visita acabou.
- Era o que faltava!!! Estou há 4 meses sem a ver e agora levam-na ao fim de 2 minutos!? Eu sou o pai dela e ela vai ficar aqui comigo.
Empurrei o velho... a Cláudia chora... não tem que se meter entre pai e filha!
- Pensam que são donos dela, mas é a MINHA filha! Eu é que devia autorizar se estão com os avós ou com quem quer que seja!!!
- Pára de chorar e anda cá.
O velho reage com insultos, leva a mão ao bolso, tira uma coisa preta e oiço uma série de estrondos. Que estranho... de repente o silêncio... sinto-me empurrado para trás e estou a ficar sem força... que estranho... sinto a camisa molhada... caio no chão... a Cláudia liberta-se da minha mão... não vás! Ainda nem te dei o boneco...
Madeleine Peyroux - Dance me to the end of love
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