Abro o envelope com o coração, só sinto o coração. Nem as mãos sentem o envelope, nem os dedos o papel. Começo a ler e não consigo entender... mas isso foi explicado... mas como é que... a decisão... a decisão é devastadora e impossível de cumprir.
Levanto-me. Sim, tinha-me sentado. Tenho que sentir as pernas, outra coisa além do coração. Tomo consciência como é que as notícias do Correio da Manhã acontecem. Decisões injustas levam a actos tresloucados e só me apetece cometer um qualquer. Claro que não vou fazer nada, mas...
Já não me recordo quando é que deixei a minha vida ser arrastada para a justiça. Quando é que dei aos outros espaço para me imporem decisões à martelada.
Este é realmente o martelo da justiça portuguesa. A vida suspença anos a fio para ver imposta uma injustiça visível na própria sentença, na lógica parcial da argumentação.
Tem que ter havido um dia, uma situação, em que fiz uma escolha errada. Esse dia tornou o resto inevitável. O instante imediatamente anterior à avalanche. Aquela que arrasa tudo à sua passagem. No final, se depois aquele castanheiro ficou de pé ou se foi aquele pinheiro, pouco importa. O que importa é a devastação e ela é inegável.
Um deserto.
Um deserto gelado de branco frio a perder de vista.
Nem um ser vivo, uma planta, nada.
Uma imensidão de branco estéril
É como me sinto.
Sem dignidade nem ser
Nem nada.
Agarrado por mentiras
que me cercam como uma teia
Apanhado pela aranha
caio e tropeço até deixar de sentir.
Já não me sinto.
Ornatos Violeta - Capitão Romance
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