Caiu tudo num estrondo de mobília que se abate, num gemido de madeira que cede a um peso excessivo. Lascas de vários tamanhos e formas um pouco por todo o lado, e esta estranha poeira que ainda paira no ar, iluminada por um feixe de luz vindo da janela.
A ilusão da estante que um dia se sonhou escrivaninha, em que seria apoio à escrita das obras mais belas e não somente uma reserva, um arquivo de inspirações antigas.
A poeira mantém-se por muito tempo, suspensa por emoções que um dia se julgaram grandes, que sonharam o divino e afinal, baixaram os braços derrotadas, baixaram os ombros rasos de lágrimas, os olhos fracos sem olhar, os joelhos sem sentir.
Quem decidiu a forma? Em árvore sonhara com a paixão, a elegância das gavetas, o tampo exemplarmente liso, as pernas arredondadas com ranhuras verticais. A dor de ver peça após peça perder a forma, o espanto de não a reconhecer. Sentiu-se curto, sentiu-se pequeno, anão. O artesão não escolheu... fez e desfez sonhos, deixou cair formões, plainas e limas. Arrancou ilusões de serradura e partituras de lascas.
Nunca seria escrivaninha, não era a sua natureza.
"O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar."
Carlos Drummond de Andrade
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